Paróquia Nossa Senhora do Rosário de Fátima

Certamente, a maioria de nós já passou pela experiência do deserto. Experiência de aridez, de insegurança, de desânimo, de cansaço. Experiência da solidão, do vazio.

Foto de Adobe Stock

Quem participa das celebrações dominicais na Igreja Católica percebeu que, durante o mês de agosto, esse tema esteve muito presente. Pudemos acompanhar o povo do Êxodo em sua travessia, o profeta Elias perdido no deserto, a multidão faminta e longe de casa…

O Êxodo pelo deserto é uma das mais bonitas metáforas da vida humana. Fala de um povo que caminha, aos “trancos e barrancos”, fugindo da escravidão, dirigindo-se à “terra prometida”. Atrás, uma vida de servidão, de exploração, de negação da dignidade. Uma não-vida. No horizonte, a utopia, o sonho de liberdade, o desejo da completude, do bem-estar ou, simplesmente, estar bem. Libertar-se do peso que oprime, da “carga sobre os ombros” (Is 9,3). Em volta, o deserto, a secura, montes e vales, serpentes venenosas. Na alma, a sede, a fome, as lutas internas. Às vezes, a descrença é maior. Vale a pena continuar? Ou é melhor retroceder? Lá atrás tem servidão, tem dor, mas tem comida e proteção (cf Ex 16,2-3).

O deserto deixa as pessoas desorientadas; meio sem rumo. Tudo toma uma proporção maior. O frio, o calor, a fome, a solidão… Falta a segurança de uma casa, o aconchego de um ‘cantinho’. A água é pouca. Não dá pra saciar. Justamente pra mostrar que quem se sacia se acomoda. O pão é pra cada dia. Se ajuntar, apodrece (cf Ex 16,19-20). É tudo provisório A miragem enche os olhos, mas não dura, não se sustenta. É grande a tentação de desistir ou, pior ainda, voltar atrás. Por um pedaço de pão…

O silêncio incomoda, mas ajuda a pensar, a repensar, a rever, a reconsiderar. Sem o que ouvir fora, começa-se a ouvir a voz interior. Há pouca coisa pra se ver: areia, céu, vazio. O jeito é olhar para si mesmo; se reencontrar. E, aos poucos, olhar de forma diferente para o outro.

Mas, em meio ao silêncio, também a Voz do Senhor se faz ouvir: Eu vi a tua aflição; eu ouvi o teu clamor; eu conheço a tua dor; eu desci pra libertar (cf Ex 3,7-8). “Eu sou Javé, aquele que te cura” (Ex 15,27). Diante da fome, da fraqueza, do cansaço, o Senhor se faz alimento. Maná que vem do céu. Palavra que anima. Sustento e força pra que consigam sepultar de vez o passado de servidão; coragem para prosseguir. No Egito se tem comida, mas o trabalho realizado e o esforço feito só engordam o faraó. No deserto há fome e dor, mas as energias gastas fortalecem a própria pessoa; a luta faz crescer.

O faraó protege, mas mantém as rédeas, cria dependência, infantiliza. O deserto expõe, gera insegurança, mas amadurece. Deus abençoa, alimenta, mas não carrega no colo (só de vez em quando). Sabe que nosso lugar é no chão, para aprender a caminhar. E a lidar com pedras e espinhos.

Toda essa experiência do povo é vivida também por Elias (1Rs 19,4-8). Perdido no deserto, desfalecendo de fraqueza, morrendo de medo dos perseguidores, desabafa: “Agora chega, Senhor! Prefiro morrer.” Quantos já experimentaram ou experimentam isso! E é nesse momento que surge um anjo de Deus – sempre haverá um anjo no caminho. Toca o profeta e diz: “Levanta-te e come! Tens um longo caminho a percorrer”. Ele olha para o lado. Não sabe como, mas ali estão água e pão. É sempre a Palavra que põe de pé, que empurra pra frente, e o pão que dá sustento.

A Ir. Míria Kolling, num momento privilegiado de inspiração, transformou essa história, que é de Elias, que é do povo de Israel, que é de todos nós, numa linda poesia, num poema da esperança: “Quando te domina o cansaço, e já não puderes dar um passo… levanta-te e come, que o caminho é longo. Quando te perderes no deserto, e a morte então sentires perto, sem mais forças para subir… levanta-te e come! Quando a dor, o medo, a incerteza tentam apagar tua chama acesa, e tirar do coração a alegria e a paixão… levanta-te e come! Quando não achares o caminho; triste e abatido, vais sozinho, o olhar sem brilho e luz, sob o peso de tua cruz… levanta-te e come! Eu sou teu Alimento, ó caminheiro. Eu sou o Pão da vida verdadeiro; te faço caminhar, vale e monte atravessar…”

O passado precisa passar. Será uma escola. Só fica o que vale a pena. O presente pode ser deserto, mas é o nosso chão, a vida em construção, o tempo da gestação. Esconde dores de parto. O futuro é o horizonte, a meta que nos chama, a esperança que anima, é a direção do olhar. Para as nossas fraquezas e limitações, para o cansaço e o desânimo, o Pão e a Palavra. Levanta-te e come. O caminho é longo…

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