Natal em tempos de pandemia

Edilan Martins de Oliveira
Membro da PASCOM da Paróquia de Fátima


Estamos às portas do Natal 2020. Será celebrado, por força de uma pandemia jamais imaginável, de forma diferente… talvez mais profunda e autêntica. Natal é sempre a celebração do amor. O Deus onipotente se torna criança nascida numa gruta em Belém de Judá, Israel, porque não havia nem lugar nas hospedarias. É o Amor Total/Eterno que veio e vem encarnar-se na história da humanidade, para nela ressuscitar o amor perdido pelo pecado. Por isso, se em torno da celebração do Natal, o amor não é o centro, ela não é autêntica. Nunca podemos deixar de sonhar: a partir de cada Natal, o “amor deveria ser mais amado”, parafraseando o santo seráfico, São Francisco de Assis. O seu “Fratelli Tutti” – “todos irmãos” para construir uma “fraternidade e amizade social” (conforme a última Encíclica do Papa Francisco) está cimentado no amor encarnado do Filho de Deus, o nosso irmão maior. Não é por nada que a tradição dos “presépios” tem nele a sua origem. Celebramos, assim, mais um Natal… é preciso, pois, falar do amor! Advento e Natal constituem, juntos, um tempo litúrgico privilegiado. Inúmeras pessoas viajam, se visitam, multiplicam encontros. Amigos, parentes e familiares estreitam laços e relações. Como fez o Papa Francisco na encíclica Fratelli tutti (FT), podemos citar o poeta Vinicius de Moraes: “A vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida” (FT, 215). Neste ano de 2020, porém, citando outro poeta brasileiro, Carlos Drummond de Andrade, “no meio do caminho tinha uma pedra”, uma pandemia, com seu rastro macabro de pessoas mortas e famílias enlutadas. Celebraremos o natal confinados em nossas casas.

O novo coronavírus já cruzou as fronteiras de quase 200 países. No mundo inteiro, o número de infectados passou a cifra das dezenas de milhões, enquanto o número de mortos ultrapassou 1,7 milhão. Isso sem levar em conta a subnotificação. Limitando-nos ao Brasil, contam-se mais de7 milhões de infectados, ao passo que quase 190 mil pessoas perderam precocemente a vida. Somando infectados e afetados, na prática todas as pessoas e famílias foram, de uma forma ou de outra, atingidos por esse “inimigo invisível, silencioso e letal”. Quem não tropeçou nessa “pedra/pandemia”? Ela trouxe o isolamento individual e o distanciamento social. Isolados e contidos dentro da própria casa, as telas e as janelas tornaram-se nossos únicos meios de comunicação. Para não poucas pessoas, a saúde mental sofreu abalos inesperados. A solidão virou nossa companheira do dia a dia.

Flagelo inédito e global, da mesma forma que globalizada é a política econômica hoje. Um contraste se estabeleceu: ao mesmo tempo em que foi possível constatar certo negacionismo e indiferença por parte de algumas autoridades, vimos nascer por toda parte uma série de iniciativas solidárias e populares. Muitas comunidades se deram as mãos, reduzindo a força do inimigo comum. Se é verdade que para muita gente esse tropeço mexeu negativamente com a trajetória de vida, para outros ele não deixou de despertar para novos valores. Entre eles, destaca-se o cuidado: com a saúde pessoal e alheia, cuidado com os mais frágeis e vulneráveis, cuidado com a gestão pública e o bem-estar, cuidado com “nossa casa comum”, para voltar a outra expressão do Pontífice. E mais recentemente, com o novo documento da Doutrina Social da Igreja, Fratelli tutti (Somos todos irmãos), o Papa sublinha uma nova forma de cuidado, isto é, a atenção redobrada para com o outro, o diferente, o estrangeiro. Volta a alertar para o combate vigoroso e sem tréguas à discriminação e ao preconceito, ao racismo e à xenofobia. Esses vírus, sim, constituem verdadeiras pedras de tropeço para o diálogo, a paz e a fraternidade.

A pandemia da COVID-19 pode ser vencida. Temos a ajuda de numerosas pesquisas e da ciência. Várias e distintas vacinas já apontam para a aurora de novos horizontes. As divisões que nos separam, porém, como em todo Natal, exigem uma dupla conversão, pessoal e social. Somente isso pode nos levar ao que o Papa chama de “cultura do encontro, do diálogo e da solidariedade”. Busquemos ordenar as nossas afeições, na esperança em Deus, tendo em mente que o menino Jesus quer renascer em cada um de nós para que sejamos mais ousados e livres para amar. Feliz e Santo Natal para todos!

 

 

 

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