Fatos da vida de um Santo

domlucianomendesdealmeida_2

“Em que posso ajudar”? Assim, Dom Luciano iniciava o diálogo com toda pessoa que encontrava. Para ser reconhecido pela Igreja como Santo, o mais importante não é a comprovação de milagres por sua intercessão. Ser Santo é viver testemunhando Jesus Cristo, no mais profundo sentido dessa expressão, como o fez Dom Luciano. Em qualquer ambiente em que estivesse, logo era reconhecido, e todos queriam vê-lo, saudá-lo e ouvi-lo.

Sua grande preocupação era as crianças, os jovens, os mais necessitados, os padres doentes e velhos. Fundou creches, escolas, trazendo para Minas Gerais, a “Escola Família Agrícola”, metodologia de ensino que visava manter as crianças no seu ambiente de origem, aprendendo, ensinando seus familiares e trabalhando com a família, combatendo assim o êxodo rural ao contrário do sistema implantado, no país, que tira as crianças do seu meio, tomando-lhes tempo no trajeto.

Tinha uma disponibilidade enorme; por isso, sua agenda estava sempre tomada, e, para conseguir estar presente em algum evento, ele fazia uma ginástica para remanejar alguns compromissos, agrupando todos da mesma região, no mesmo dia e, para isso, as anotações eram sempre feitas a lápis. Só se negava a participar, se coincidisse com algum evento maior ou por estar fora do roteiro traçado para aquele dia ou, ainda, por uma de suas inúmeras viagens para fora do estado.

Todos que o conheceram sabem que ele era diferente. Como pessoa, como amigo, conselheiro, porque com grande discernimento sabia como e quando participar ou apoiar algum movimento, não por motivos políticos, mas por razões humanas e, com argumentos claros, convencia os solicitantes. Assim, se negou a apoiar um movimento grevista na UFV, porque deixando outros, visava benefícios apenas para um determinado segmento. Já em outra oportunidade, em Belo Horizonte, foi à frente na marcha dos atingidos por barragens, que estavam sendo impedidos de serem ouvidos pelo governo do estado.

Estando em Mariana, nas noites mais frias, saia agasalhando as pessoas que dormiam nos bancos e calçadas, usando por vezes sua própria roupa. Desapegado dos presentes que recebia, estes eram passados à frente, porque outros necessitavam mais que ele.

Com enorme prontidão e paciência, ouvia a quem o procurasse, na rua, na Igreja e em sua residência, orientando e ensinando, mesmo que isto lhe roubasse alguns preciosos minutos do compromisso seguinte. Assim, um dia, na rodoviária de São Paulo, enquanto com um dos irmãos aguardava o ônibus que os levaria ao Rio de Janeiro, foi abordado por uma pessoa que passava momento difícil. Apesar dos acenos do irmão, a conversa se estendeu e perderam o ônibus que pegariam. Depois, interpelado pelo irmão, respondeu-lhe: “ônibus temos em diferentes horários, mas aquela pessoa precisava de atenção, naquele momento”.

Seu dia de serviço tinha pouco menos de 24 horas. Dormia pouco, andava muito. Um dia, vindo de Roma, ao chegar em Mariana já à noite, pediu-nos notícia do Pe. Mendes que estava hospitalizado. Alertado da gravidade da doença, veio de imediato para Viçosa e ficou em prece ao lado do padre, das 23 à uma hora da madrugada. Às oito, o padre faleceu.

Sua privilegiada memória o fazia ligado a tudo neste mundo, lembrando-se sempre das pessoas, dos fatos, das estatísticas. Assim, pondo tudo à luz do Evangelho, tinha enorme facilidade para ilustrar as inúmeras palestras ou pregações que fazia, arrebatando a todos.

Em suas andadas pela arquidiocese, quando passava por Viçosa, tendo alguns minutos livres, parava em nossa casa, ora para uma simples visita, ora para se comunicar pelo telefone com uma freira que trabalhara em sua equipe, quando Bispo auxiliar na capital paulista e, de memória, sem texto escrito, ditava o artigo que, naquela semana, deveria ser publicado no Jornal Folha de São Paulo, salientando parágrafos e pontuação. Ao final do dia de visitas na região, passava em nossa casa, tomava algum alimento e, embora tarde, por vezes não tinha sequer almoçado, pela correria ou mesmo por nada lhe ter sido oferecido nos compromissos já cumpridos ou por que, no seu regime alimentar, o que foi disponibilizado não lhe faria bem. Quando o tempo era curto, passava pelo trevo e avisava a Maria Noêmia, que preparava e levava um lanche, esperando-os no trevo da Fama.

Dom Luciano tinha grande sensibilidade também para a música, aliás, era violinista. Um dia, quando entrou em nossa casa, a Maria Noêmia tocava uma música de Natal que havia composto. Gostando de ouvi-la, se dispôs a fazer uma letra para a mesma. De imediato, redigiu um refrão e uma estrofe, prometendo mais. Gravou tão bem a melodia que durante a viagem para Mariana, pelo telefone, ditou mais duas estrofes e, alguns dias depois, outras mais.

Em sua simplicidade, da mesma forma que atendia na cúria, partia para o encontro com os maiores dirigentes do Brasil e de outros países e entidades. Nas suas andanças internacionais, nada mais tinha para levar de seu, do que uma maleta, menor até do que a que muitos executivos levam para seu trabalho e, frequentemente, ainda tirava algo, daquele pouco que era seu, para dar a quem o pedisse.

Era um artista, mestre no desenho. Quando possível, como nos retiros e reuniões menores, ou nos bilhetes que escrevia, ilustrava sua exposição com esquemas de desenhos que todos admiravam.

Vivamente interessado na busca de solução para os problemas sociais, seu território de atuação não era apenas o da Arquidiocese de Mariana, mas o Brasil, o mundo. Em qualquer lugar que fosse, embora atencioso e paciente para ouvir, manso para aconselhar, era firme para condenar as injustiças, apontar os desvios, as falhas e as omissões.

Para atender seus compromissos, não escolhia transporte. Inúmeras vezes, solicitou que se adquirisse uma passagem para São Paulo, no último horário de ônibus naquele dia e, por vezes, era necessário pedir ao motorista que aguardasse um pouco por ele.