Uma reflexão sobre a Paixão de Jesus: o que o seu legado nos ensina?

Estamos aproximando da semana santa, tempo forte da nossa fé. Neste ano, as celebrações ganham alguns aspectos diferenciados para todo o povo de Deus. Trata-se de uma vivência espiritual de grande configuração ao sofrimento da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor. Muitos dos nossos irmãos e irmãs vivem, hoje, o calvário em suas vidas. A nossa fé nos chama, também, para a contemplação e vivência da Paixão Redentora de Jesus. O chamado de Deus é para que cheguemos diante do Calvário, contemplemos e meditemos um pouco mais sobre a paixão e morte de Jesus.

Podemos dizer que a encarnação do Verbo chega ao seu ponto culminante na história da salvação. Este é, portanto, o ápice do mistério doloroso e glorioso da Paixão, morte e ressurreição do Senhor. O sofrimento e a entrega do Filho de Deus sublinham o extremo realismo da sua encarnação. Ele recapitula em Si a inteira realidade humana, sendo transformado de invisível em visível, de impassível em passível (sofredor), de imortal em homem mortal. Na sua paixão e morte se completam assim o escândalo da encarnação, como declara São Paulo: “Nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os pagãos” (1Cor 1,23).

A cruz constitui a dura rocha que sustenta a fé cristã. A cruz é a paradoxal e problemática identidade cristã nos confrontos das outras religiões. Jesus, que havia proclamado o reino de Deus, pareceu estar abandonado pelo Deus do Reino que ele anunciava. Aquele que tinha superado a lei foi rejeitado em nome desta lei. Aquele que tinha ajudado os outros a curar e libertar das potências demoníacas, morreu sem ser ajudado e nem defendido por ninguém. Aquele que tinha sempre operado como benfeitor do seu próximo, foi condenado a morrer como um malfeitor numa cruz em meio a dois ladrões. Aquele que tinha feito da sua vida um evento unicamente religioso, expiró fora da cidade santa e do seu templo.

Como afirma São Cirilo de Alexandria, padre da Igreja do século V, “Cristo apesar de sua natureza divina e sendo por direito igual a Deus Pai, não se prevaleceu de sua divina condição, mas humilhou-se até submeter-se à morte e morte de cruz. Realmente, sua paixão salutar abateu os principados e triunfou sobre os dominadores deste mundo e deste século, libertou a todos da tirania do diabo, e nos reconduziu a Deus. Suas chagas nos curaram e, carregado com os nossos pecados, subiu ao lenho; e deste modo, enquanto ele morre, nos sustenta na vida, e sua paixão se tornou a nossa segurança e muro de defesa. Aquele que nos resgatou da condenação da lei, nos socorre quando somos tentados. E para consagrar ao povo com seu próprio sangue, morreu fora da cidade”.

Neste tempo de pandemia, quarentenas, incertezas, dúvidas, inseguranças, violências, inquietações e crises de todos os níveis, proclamamos que a Paixão de Cristo, sua preciosa cruz e suas mãos perfuradas significam segurança para aqueles que creem n’Ele. Por isso Ele fala acertadamente: minhas ovelhas escutam minha voz e me seguem, e Eu lhes dou a vida eterna. E também: Ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai. E isto justamente, porque vivem à sombra do Onipotente, protegidas pelo auxílio divino como em uma torre fortificada.

A proposta hoje não é mais crucificar o Cristo, mas sim aquilo que está nos crucificando, pois como nos fala Santo Ambrósio de Milão, “Carreguemos a cruz do Senhor para que, crucificando a nossa carne, destrua o pecado. Quem ama os preceitos (ensinamentos) do Senhor sujeita com cravos a própria carne, sabendo que, quando seu homem velho estiver com Cristo crucificado na cruz, será destruída a luxúria da carne, o orgulho, a autosuficiência humana, as vaidades, e tantos outros pecados de raiz. Cada um tenha coragem de colocar a sua carne  com os cravos na cruz e assim terá destruído os seus pecados. Está cravado com estes cravos quem morre com Cristo para ressuscitar com ele; está cravado com estes cravos quem leva em seu corpo a morte do Senhor Jesus. Que não nos escandalize a dureza dos cravos, pois é a dureza da caridade; nem nos assuste o poderoso rigor dos cravos, porque também o amor é forte como a morte. Na realidade, o amor dá morte à culpa e a todo pecado. Na verdade, quando amamos os ensinamentos do Senhor, morremos às ações vergonhosas e ao pecado.

A Paixão de Jesus teve causas históricas concretas e foi o desenlace final de uma vida que entrou em conflito com o sistema religioso-político estabelecido na sociedade daquele tempo. Jesus sempre lutou em favor da vida e contra tudo que atentava contra ela. O grande drama que Jesus sofreu foi não terem sabido ver a verdade n’Ele; não quiseram ver o que Ele fazia em favor da vida; não conseguiram ver a bondade e a compaixão em seu coração; não souberam ver Deus n’Ele. Preferiram a violência. Jesus teve duras experiências com as pedras, porque muitas vezes quiseram apedrejá-lo, embora ele sempre tenha conseguido livrar-se delas. Ele tem consciência de que as pessoas encontram justificativas para apedrejar os outros. Custa-nos reconhecer o que é bom nos outros; facilmente preferimos apedrejá-los com nossa críticas, murmurações, difamações. E assim são piores as pedras da língua que as pedras que atiramos com as mãos. Quem tem o coração duro e petrificado terá naturalmente pedras em abundância em suas mãos para atirar sobre os demais. Num coração petrificado, o Espírito não tem liberdade de atuar; dessa resistência à ação do Espírito brotam as doentias divisões internas, que atrofiam nossas forças criativas e nos distanciam da comunhão com tudo e com todos. Com isso nos blindamos, tornando-nos rígidos, petrificados em nossas posições, crenças, valores… e não nos deixamos impactar pelo novo, pelo diferente.

Chegar com o Cristo ao Calvário, tomando nossa cruz significa ter ouvido atento ao que ele mesmo diz: o que não carrega a sua cruz e não me segue, não é digno de mim. Em efeito, tomar a cruz significa renunciar a tantas propostas do mundo que não convém ao discípulo de Cristo. “Tomar a Cruz” e “Carregar a cruz” significa acolher aquilo que diariamente cruza o nosso caminho, abraçar, com todas as nossas forças e todas as nossas fraquezas, os sucessos e os fracassos, as coisas vividas e as coisas perdidas, o consciente e o inconsciente… Nesse sentido, a cruz deixa de ser um “peso morto”, ou seja, uma cruz vazia, sem sentido, in-sensata, pois fecha a pessoa em si mesma, em seu sofrimento e angústia; não aponta para o futuro, nem abre um horizonte de vida. Fazer o caminho contemplativo junto a Jesus que leva a cruz da fidelidade e chega ao Gólgota, ajuda-nos a romper com as cruzes que nos afundam no desespero, nos fracassos, nos traumas das experiências frustantes…

Dessa forma, os que seguem a Cristo estão também crucificados com ele: morrendo à sua antiga conduta, são introduzidos em uma vida nova conforme ao Evangelho: Por isso, afirmava Paulo: os que são de Cristo Jesus Crucificaram sua carne com suas paixões e concupiscências. E novamente, como que falando de si, exorta a todos: Na realidade, pela fé, eu morri para a lei, a fim de viver para DeusEstou crucificado com Cristo: Já não sou eu que vivo, mas Cristo vive em mim. E ainda, Cristo morreu pelos nossos pecados segundo as Escrituras (1Cor 15,3).

Queremos chegar com Jesus ao Calvário, e experimentar a mesma liberdade com a qual Ele viveu sua entrega pela salvação da humanidade. Pois a liberdade com a qual ele vai ao encontro da morte deriva do desejo de fazer a vontade do Pai. É, de fato, o Pai que entrega o Filho por amor. Também a obediência de Jesus ao Pai é expressão de amor (Rm 5,19): “É preciso que o mundo saiba que eu amo o Pai e faço aquilo que o Pai me mandou fazer” (Jo 14,31). A relação entre Deus e o homem não é mais definida pela desobediência de Adão (Rm 5,12-19), mas da obediência de Jesus até a morte. E assim destrói os nossos pecados, tornando-nos justos e santos diante de Deus. Por amor, Ele assume o destino do homem até à morte: “Jesus sabendo que era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, amou os seus que estavam no mundo, e os amou até o fim” (Jo 13,1). E o que nós buscamos celebrar, nestes dias, através deste grande mistério, é o amor de Deus Pai e do Filho Jesus pela salvação de toda a humanidade. Aqui está a verdadeira motivação do sacrifício cruento de Jesus na cruz.

A oração destes dias deve ser profundamente silenciosa: trata-se de acompanharmos Jesus no caminho em direção ao Gólgota e sua morte na cruz. Silenciar o corpo, a mente, o coração para contemplarmos a Paixão redentora do Senhor. No percurso solidário com Jesus e com os sofredores da história não encontramos o “Deus do poder”’ que se impõe, mas o “Deus do amor” que se expõe à maior das fragilidades, porque o amor significa admitir a possibilidade de ver-se recusado e rejeitado. Só na fragilidade do amor Deus manifesta sua força misericordiosa.

Diante da violência e do sofrimento Deus silencia, porque Ele se encontra junto às vítimas, não junto aos carrascos. Seu “silêncio”, porém, não é de tolerância, mas de amor compadecido e solidário. Amor  que tudo pode, mas não pode reagir à violência com violência igual ou maior. E continua sem poder impedir que a Paixão de Jesus continue acontecendo hoje. A resposta de Deus ao sofrimento não é escrita com tinta, mas com sangue , carne, sentimento, fragilidade.

Ao entrar no caminho da Paixão de Jesus, uma pergunta brota naturalmente: Onde está Deus em nossa experiência de sofrimento? Mas Deus desafia-nos a responder à sua própria pergunta: Onde está você no meu sofrimento? Ele revela, aos nossos olhos dolorosamente abertos, o mistério de sua própria presença em nosso sofrimento e morte dos seus filhos e filhas. É o Deus que se identifica com a dor do mundo, com a marginalização dos excluídos e com a desgraça de todos os miseráveis da terra. Não podemos chegar ao Deus de Jesus pelo caminho largo e fácil do poder e da razão, senão pela senda escarpada e dura da solidariedade e da loucura da cruz.

A questão determinante para nós cristãos está em buscar a Deus e crer na sua transcendência a partir da solidariedade com as vítimas, com os crucificados deste mundo e com os que necessitam de calor humano, compreensão, tolerância, companhia e carinho.Partindo da mensagem evangélica do amor-doação, podemos concluir que o único “sofrimento” que Deus quer é o que brota da luta contra o sofrimento. Deus quer o sofrimento somente quando é consequência de uma convicção e de um modo de viver que não suporta que os outros sofram. Foi exatamente isso que aconteceu com Jesus. E por isso o crucificaram. Somente a força do amor, da misericórdia e da entrega, que se faz capaz, como em Jesus, de suportar a mais extrema das debilidades, pode transformar o mundo.

Para concluir esta reflexão, voltemo-nos para a presença de Maria, a Mãe, que estava de pé junto à Cruz. Maria estava no Calvário, não apenas assistindo no meio do público, mas em lugar de destaque, ao pé da cruz, ao pé do Redentor. E, por isto, Jesus a entregou ao discípulo amado, representando a comunidade Igreja que nascia do Mistério da sua Páscoa: “Mulher, eis aí o teu Filho! Filho, eis aí tua Mãe!” (Jo 19, 26-27).

Na hora de sua morte, Jesus Cristo se lembra de nos dar a sua mãe para que fosse também a nossa mãe, a mãe de toda a humanidade, de todos os povos, da Igreja inteira. Todos nós somos chamados a sermos filhos de Deus, a sermos filhos de Maria; Maria nos ensina ao pé da cruz, que devemos estar sempre à disposição de Jesus Cristo para ajudá-lo a salvar o mundo. Maria soube emprestar o seu ventre para que Jesus pudesse nascer. Ela nos convida a acolhermos Cristo dentro de nós para podermos torná-lo presente no mundo.

Maria soube estar ao lado de seu filho sofredor, quando ele sentia só e abandonado. Assim, Maria nos ensina também a estar perto de cada irmão e irmã que sofre hoje. Maria nos ajuda a estar perto do pobre, das pessoas marginalizadas, da pessoa solitária e desesperada; perto do doente e do preso, perto do condenado e do castigado. Maria nos mostra, assim, que devemos estar perto de cada Jesus que sofre sua paixão, hoje.

Que cada um de nós possa ser, perto daquele que sofre, a presença de Maria, que cada um de nós possa receber de Maria essa missão de continuar assistindo e sustentando os sofredores, principalmente as vítimas da violência. Que nós possamos receber de Maria essa sublime missão, de enxugar as lágrimas, o suor e o sangue de todos os “Cristos” que estão sofrendo pelo mundo a fora.

Ela permaneceu a vida inteira com o Filho, ela conhece seu coração. Ela está muito sofrida: viu o Filho amado ser torturado, humilhado, abandonado pelos amigos. Viu-o ser morto violentamente, sem nenhuma misericórdia. Ela está ferida no mais profundo de seu ser porque sofreu nas entranhas a dor do Filho. Maria está triste, mas não desesperada. Ela não sabe, neste momento, ao certo o que acontecerá, mas conhece o coração do Filho e está cheia de esperança. Dizia Santo Agostinho: “Doía-lhe que tivesse sido morto injustamente Aquele a quem ela gerou virgem; mas esperava e cria firmemente que ressuscitaria ao terceiro dia, conforme o que fora prometido, vencida já a morte; entretanto, somente nela estava a fé da Igreja. Enquanto cada um vacilava e duvidava, ela, que com fé concebeu a fé, que uma vez recebeu de Deus e nunca a perdeu, com essa fé e com a esperança certíssima esperou a glória da ressurreição”.

O convite é, para que, durante esta semana santa, passemos este tempo com Maria, em sua solidão grávida de esperança viva…esperança por um mundo mais justo e fraterno a partir da paixão redentora de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

* Pe Adilson Luiz Umbelino Couto
Formador e Professor no Seminário São José – Mariana

2020: Ano da Família na arquidiocese de Mariana

Dando sequência às prioridades pastorais propostas pelo Projeto Arquidiocesano de Evangelização (PAE), a família é quem ocupará a centralidade da evangelização na Arquidiocese de Mariana neste ano de 2020. O desejo é que durante este ano possamos rezar ainda mais pelas famílias e em família, refletindo, à luz da fé cristã, sobre esta importante instituição.

É com grande alegria e esperança que toda a Arquidiocese de Mariana é chamada a assumir esta prioridade pastoral. Não podemos delegar a celebração do ano da família apenas à Pastoral Familiar ou aos movimentos e pastorais que focam sua atividade na família. Afinal de contas, todos os trabalhos eclesiais, em última análise, incidem sobre a vida da família. Portanto, o convite para a dinamização do ano da família é direcionado a todas as forças evangelizadoras da nossa Igreja particular.

Estamos num período denominado “mudança de época”, marcado por profundas e radicais transformações culturais, sociais e religiosas. Na verdade, estas mudanças são estruturais e, por isso, têm uma incidência muito forte sobre a vida das famílias. A exortação pós- sinodal “Amoris Laetitia”, do Papa Francisco, elenca diversos fatores culturais, sociais e religiosos que afetam as famílias na atualidade. Dentre os fatores culturais, a Exortação acentua: maior espaço para a liberdade no seio da família; distribuição mais equitativa dos encargos e responsabilidades dentro da família; rapidez da comunicação; nova compreensão da sexualidade humana que repercute na legislação relativa à contracepção, ao aborto e aos direito matrimonial e familiar; a cultura do provisório que gera medo de  compromissos mais permanentes e duradouros; o individualismo exagerado que leva a um fechamento em si mesmo; a ideologia de gênero que considera a realidade como uma construção social e visa desconstruir antropologicamente o conceito de masculino e feminino e sua reciprocidade. Dentre os fatores sociais que interferem mais na vida da família, são apontados: o ritmo da vida atual que provoca estresse nos membros da família e dificulta a educação dos filhos; a sociedade do hiperconsumo em que o bem-estar material e o consumismo tornam-se sinônimos de felicidade; a diminuição dos matrimônios que faz crescer o número das pessoas que querem viver sozinhas ou conviver com outras, sem coabitar; a queda demográfica; os problemas econômicos provocados por falta de trabalho e habitação e que retardam o matrimônio. (Continua no próximo artigo)

Contânica na fé e nas provações

À fragilidade das obras humanas Jesus opõe a necessidade da constância, da firmeza nas realidades sobrenaturais e perante as provações correspondentes a tudo que é contingente. (Lc 21, 5-19). Com efeito, diante do templo de Jerusalém, guarnecido com belas pedras e dons, Ele afirmou a seus discípulos: “De tudo que estais vendo, dia virá em que não ficará pedra sobre pedra que não seja derrubada”, ou seja, vaticinou a ruína daquela grandiosa construção. Entretanto alertou a seus seguidores: “Pela vossa constância é que ganhareis as vossas almas”, isto é, garantiu que a perseverança na fé e nas provações da vida garante a salvação eterna, não perecível. Portanto, alertou para dois fatos inevitáveis: a efemeridade de tudo que é perecível e o valor da persistência na fé apesar das provações. De fato, é preciso ter em vista a fragilidade dos monumentos, das instituições, dos projetos humanos os quais se apresentam como sólidos, mas que são em si frágeis, eles hoje existem amanhã podem desaparecer. Seus ouvintes estavam maravilhados pela beleza daquele templo, como também através dos tempos muitos estariam iludidos com as realizações proporcionadas pelo progresso tecnológico. Em qualquer época o ser humano é vulnerável e a história registra inúmeros cataclismos, terrorismo internacional, pestes, fome, guerras, tudo isto aterrorizando a humanidade. Eis porque Ele aconselhava a construir para a eternidade onde tudo fica solidificado. A fé e a confiança nele deverão então proporcionar o rochedo sólido que nada poderá destruir. Eis porque na Missa, após a consagração, o celebrante diz: “Eis o mistério da fé” e todos respondem repletos de certeza: “Nós proclamamos tua morte, Senhor Jesus, nós celebramos tua ressurreição, vinde Senhor Jesus”. É que a Boa Nova, mensagem do Filho de Deus, é sempre atual e cumpre recebê-la na vida. Trata-se da certeza da presença viva do divino Redentor na existência dos cristãos aqui, agora e por todo sempre. Algo, portanto, indestrutível. O seu discípulo olha o futuro, mas vive intensamente o presente no qual constrói o que é permanente e inelutável. Jesus prometeu: “Nenhum cabelo de vossa cabeça perderá” (Lc 21,18). Sua presença é reconfortante não obstante todas as tormentas. Num mundo mutável, nas vidas de cada um, em tudo que vai fatalmente passando, no meio de tantas confusões religiosas, éticas, políticas o verdadeiro cristão tem onde se apoiar que é o seu Senhor Jesus Cristo que com ele caminha mostrando como chegar um dia à Casa do Pai. Eis porque seu discípulo ante os preconceitos e a indiferença do atual contexto histórico não desamina nunca e conta com outra promessa de Cristo: “Eu vos darei uma linguagem e uma sabedoria à qual vossos adversários não poderão resistir, nem se opor” (Lc 21,14-15). Sobretudo nas celebrações eucarísticas se encontra a fonte da fortaleza interior, celebrando Aquele que faz renascer da água e do Espírito Santo através de seu Corpo e Sangue que transforma a vida humana tão frágil numa vida eterna já começada aqui na terra. Jesus vem a cada instante para junto daquele que O invoca com unção e vigor, sem cessar, tendo uma visão sábia do fim último de cada um e de toda a história do mundo. É deste modo que se humaniza em ato a presença de Deus. Cada um realizando com todo entusiasmo e espírito de fé as tarefas específicas que a Providência lhe confiou. Trata-se da vivência plena do cotidiano, vivido sempre junto daquele que é o Senhor de tudo. É o traduzir de maneira existencial o conselho de Jesus: “Pela vossa perseverança, ganhareis vossas almas”. Este perseverar significa utilizar os dias que Deus concede para que com as ações diárias se construa um edifício na vida eterna o qual não será nunca destruído O verdadeiro cristão sabe que sua união com Cristo o faz avançar, progredindo sempre, jamais retrocedendo. Jesus quer que seu seguidor tenha uma visão clarificada de seu futuro além-morte. Ai daqueles que, por serem seres pensantes, julgam poderem por si mesmos provar sua superioridade, enfrentando os desafios que surgem. Então aquilatam erroneamente que não têm necessidade de Deus e se tornam vítimas de seu próprio orgulho. Deste modo, provocam a Deus contradizendo o que Cristo afirmou: “Sem mim nada podeis fazer”. A vaidade humana, se não é vencida, acaba levando a uma grande catástrofe pessoal por não reconhecer que longe de Deus sua vulnerabilidade o conduz a desgraças fatais. Tentando desafiar a morte com suas próprias forças, vai ao encontro de todas as desventuras, pois é impossível suplantar os planos divinos. Estes oferecem a felicidade completa não neste mundo, mas na eternidade junto dele.  A audácia humana obsta a muitos a trilharem os caminhos de Deus e isto os impede de obter a salvação eterna. Felizes os que se apoiam, não nas ilusões humanas, mas naquele que, mesmo tendo sido pregado numa cruz e nela morrendo, ressuscitou, vencendo todos os tormentos e abrindo para seus seguidores uma perspectiva de eternidade feliz graças ao seu poder divino.

 

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho

Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos,

diretor Espiritual do Movimento de Juventude da Paróquia de Santa Rita de Cássia em Viçosa desde 1960,

membro da Academia Mineira de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Dom Luciano: 13 anos

Dia 27 de agosto, relembramos Dom Luciano Mendes de Almeida. Faz 13 anos de sua passagem do tempo presente para a continuidade da vida eterna. Certa feita, Dom Luciano – que era filósofo_ dizia que a “morte não existe”. E isso é que nos alegrava e nos motivava  para viver e fazer o bem aos outros, como ele mesmo tanto incentivava. Dom Luciano ficava triste com o sofrimento dos outros, ele os entranhava e para tudo o que dependia de si dava-se um jeito de minorar ou vencer.

Fico pensando, após este tempo, quantos o procurariam para  pedir-lhe um parecer, um apoio, caridade ou ação mais planejada no combate à violência, ao genocídio, à exclusão e ou necessidade qualquer que merecesse sua palavra ou atitude.

A Arquidiocese conta com uma faculdade que tem seu nome “ Faculdade Dom Luciano”; creches ganharam seu patrocínio, como uma que se encontra em Congonhas, a qual está fechada porque fica defronte aàbarragem Casa de Pedra da CSN. A empresa não quer assumir o risco para as 130 crianças da creche e o Poder Público teme recolocar as crianças no espaço construído sem a segurança exigida.

Os institutos federais estão diminuindo seus investimentos, muitos trabalhadores estão sendo demitidos e não se espera positivamente o futuro da educação para as juventudes. Os povos indígenas estão sendo ameaçados em suas terras, na Amazônia, por conta do garimpo, das madeireiras e dos projetos não ambientais que se aproximam.

Muita coisa aconteceu nesses 13 anos. Tenho como positiva a reedição dos Fóruns Sociais pela Vida na Arquidiocese e a caminhada pastoral que se empreendeu em favor da evangelização dos jovens e dos pobres. Há muito a fazer, mas sempre na ótica da “comunhão e da participação” como tão bem falava Dom Luciano. Sinal de vida na contramão histórica é, também, a construção de 90 casas do projeto “Minha Casa Minha Vida”, em Entre Rios de Minas, projeto este que leva seu nome eé da Moradia Popular. Dom Luciano Vive!

Pe. Paulo Barbosa

Dia do Papa

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

De suma importância é a comemoração do Dia do Papa, neste ano festesjado na data de 30 de junho. Com efeito, como  recorda o Catecismo da Igreja Católica « o Papa, Bispo de Roma e sucessor de São Pedro, “é o perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade, quer dos Bispos, quer da multidão dos fiéis”. “Com efeito, o Pontífice Romano, em virtude de seu múnus de Vigário de Cristo e de Pastor de toda a Igreja, possui na Igreja poder pleno, supremo e universal”. “E ele pode exercer sempre livremente este seu poder” (§882). Atualmente, o Papa Francisco é o ducentésimo sexagésimo sexto Papa da Igreja Católica (266.º). O Papa é a garantia da transmissão autêntica da mensagem de Cristo e da unidade da Igreja. Seu papel é universal segundo os termos empregados por Cristo dirigidos a São Pedro: “Eu roguei por ti, a fim de que tua fé não desfaleça, e tu, uma vez convertido, confirma teus irmãos” (Lucas 22,32). O magistério do papa não é exercido sozinho, mas com o conjunto dos bispos, sucessores dos Apóstolos, cujo colégio ele preside. O Catecismo da Igreja Católica ensina que: “o colégio ou corpo episcopal não tem autoridade se nele não se considerar incluído, como chefe, o Romano Pontífice”.

Como tal, este colégio é “também ele detentor do poder supremo e pleno sobre a Igreja inteira”. Todavia, este poder não pode ser exercido senão com o consentimento do Romano Pontífice (§883). No dia a dia o Papa exerce seu ensinamento por discursos, cartas, homilias, audiências. De uma maneira mais solene, porém, nas encíclicas ou exortações apostólicas. Bem no estilo moderno de comunicação o Papa Francisco tem continuamente lançado mensagens objetivas, práticas, orientando sabiamente a conduta dos cristãos. Como sucessor de São Pedro ele merece da parte dos fiéis todo amor, toda veneração, todo respeito e total obediência. É o Vigário de Cristo nesta terra. Ao primeiro Papa Jesus entregou as chaves do reino dos céus e somente a Pedro ele disse: “Tudo que ligares na terra será ligado no céu e o que desligares na terra estará desligado no céu” (Mt 16,10). Pedro e seus sucessores têm uma posição de autoridade única na Igreja. No novo Testamento São Pedro é mencionado mais de cem vezes, sendo que o Apóstolo São João, o segundo mais mencionado, é citado somente 29 vezes. Isto é um fato importante que demonstra a superioridade petrina. Isto comprova que a Bíblia singularizou em inúmeras passagens o Apostolo Pedro que ocupava um lugar à parte entre os demais Apóstolos. Após sua ressurreição, clara prova de sua divindade, Jesus conferiu a Pedro o primado (Jo 21, 15-18). Cobrou dele um tríplice ato de amor e depois lhe deu esta ordem: “Apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas”. Com estas palavras Cristo lhe entregava a universalidade de seu rebanho sem nenhuma exceção.

São Pedro e seus sucessores foram constituídos chefes supremo da Igreja a qual deveriam governar. Adite-se que São Pedro morreu em Roma como primeiro bispo desta cidade e no curso da História outros o sucederam. Assumiram a função de São Pedro como bispo de Roma e chefe de toda a Igreja. Inúmeros os Papas canonizados e entre eles recentemente São João XXIII, São Paulo VI, São João Paulo II. O primado espiritual de todos os papas, verdadeiros chefes da Igreja, sempre foi exercido conscientemente pelo bispo de Roma e isto não se deve nem à ambição, uma vez que todos eles só intentavam servir; nem à influência de Roma; nem à subserviência dos demais bispos, pois, muitas vezes, houve quem se rebelasse, mas a autoridade do Pontífice romano acabava sempre por ser reconhecida. Única é a razão, Roma é a “Igreja mãe que tem em suas mãos o governo de todas as outras igrejas; o chefe do episcopado, donde parte a direção do governo; a cátedra principal, a cátedra única na qual, somente, todos conservam a unidade”, como muito bem se expressou o século XVIII Jacques-Bénigne Bossuet, bispo e teólogo francês. É de se notar que o historiador alemão Ludwig von Pastor, protestante desafiou a Igreja Católica a abrir seus arquivos secretos, visando desmoralizá-la O Papa Leão XIII franqueou estes arquivos e Ludwig von pastor passou anos trabalhando e produziu uma obra monumental em 40 volumes apresentando a História dos Papas desde a Renascença ate o final do século XVIII. O mais extraordinário é que ao finalizar sua obra ele se converteu ao catolicismo, convencido de que a Igreja Católica é uma obra divina. É que Jesus havia dito ao primeiro Papa: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16,16).

* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

Solenidade do Corpo e do sangue de Cristo (Corpus Christi)

É uma solenidade celebrada na quinta-feira depois do domingo da Santíssima Trindade. Ela ressalta a presença real de Cristo no sacramento da Eucaristia e a adoração a esse mistério. Esta festa começou a ser celebrada em 1246 e se estendeu a toda a Igreja pelo papa Urbano IV em 1264. O rito prescreve que seja um dia celebrado com uma procissão onde sejam dadas bênçãos com a Sagrada Eucaristia como modo de testemunho público de fé e adoração. Há antes do evangelho do dia uma sequência que deve ser cantada de modo solene na missa do dia.

O termo Corpus Christi é um termo latino que como já sugere é traduzido por Corpo de Cristo. Trata-se então da festa em que dá enfoque a reverência e adoração ao corpo místico de Cristo, logo à eucaristia – seu corpo e sangue – que nos referimos como modo visível pelo qual Ele se apresenta a nós nos dias de hoje. Ao comungarmos, entramos em sintonia com esse corpo. A Constituição Dogmática intitulada Lumen Gentium (Luz das Nações) elaborada no coração do Concílio Vaticano II, atesta sobre essa comunhão. “Participando realmente do corpo do Senhor na fração do pão eucarístico, somos elevados à comunhão com Ele e entre nós” (LG, 13).

São João Damasceno considera que ao sermos perguntados de que modo o pão se converte em corpo de Cristo e como o vinho se transforma em sangue, cabe a nós respondermos que o Espírito Santo é quem irrompe e realiza aquilo que nos parece ultrapassar toda palavra e pensamento. E isso se dá pelo mesmo modo com que o Espírito Santo realizou no seio virginal de Maria a encarnação do Verbo.

Como Igreja de Cristo e membros vivos de seu corpo sendo Ele o membro por excelência a cabeça, somos chamados a celebrarmos nesse dia a nossa feliz participação em seu corpo que nos regenera para Deus. Afirmará ainda a LG sobre esse modo de se reconhecer como Igreja: “Peregrinando ainda na terra, palmilhando em Seus vestígios na tribulação e na perseguição, associamo-nos às Suas dores como o corpo à Cabeça, para que padecendo com Ele, sejamos com Ele também glorificado (cf. Rom 8,17). D’Ele todo o corpo, alimentado e ligado pelas juntas e ligaduras, aumenta no crescimento dado por Deus (Col 2, 19).” (LG, 13). Portanto, Jesus Cristo é o membro que dá vida a todos os outros membros; Ele é “O Pão da Vida dado a nós” (cf. Jo 6).

O Catecismo da Igreja chama a Eucristia de penhor da glória eterna. Numa presença ainda velada, ela nos prepara para um dia contemplar o corpo de Cristo de modo ainda mais pleno: “A Igreja sabe que, desde agora, o Senhor vem em sua Eucaristia, e que ali Ele está, no meio de nós. Contudo, esta presença é velada. Por isso, celebramos a Eucaristia expectantes beatam spem et adventum Salvatoris nostri Jesu Christi – aguardando a bem aventurada esperança e a vinda de nosso Salvador Jesus Cristo, pedindo saciar-nos eternamente da vossa glória, quando enxugardes toda lágrima dos nossos olhos.” (CIC 1404).