Maria: figura inspiradora para a contemplação do feminino de Deus” (Homilia do dia 13 de maio de 2011)

Irmãos e irmãs queridos,

Após esses dias intensos de oração, reflexão, alegria, confraternização aqui estamos para mais uma vez louvar, agradecer, bendizer a Deus por tão grande presente dado a nós: Maria, a Bem Amada de Deus, a contemplada, a mais bendita entre todas as mulheres porque tem um fruto bendito saído do seu ventre, Jesus. Estamos aqui para, humildemente, rogar à Santa Maria, que se tornou santa porque permitiu ser totalmente habitada pelo Espírito Santo, nossa Mãe e Mãe de Deus. Um Deus que por causa de sua encarnação fez de Maria sua mãe. E, finalmente, estamos aqui esta noite porque confiamos em sua intercessão. E é por isso que ao encerrar a oração da Ave Maria, dizemos confiantemente: “Rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte”. Verdade que foi traduzida de modo tão simples e singela e com uma dose de humor na obra “O alto da compadecida” quando Maria, a mãe, intercede por aquelas pessoas que se encontram diante de seu Filho. Aparentemente pessoas que não deveriam ganhar o céu devido a um comportamento não muito ético e evangélico.

Mas o olhar de Maria vê mais longe, vê em profundidade, pois seu olhar é mais que um enxergar as aparências. Maria não vê as coisas e as pessoas. Ela contempla. Pois, sendo contemplada por Deus aprende a contemplá-lo em todas as coisas e nele também contempla as coisas e as pessoas. É por isso, meus irmãos e irmãs, que podemos dizer que Maria é figura inspiradora para a contemplação do feminino de Deus.

De fato, Maria nos inspira a agir. Contudo, seu agir é antecedido pelo contemplar. Ação sem contemplação não é ação verdadeira, não produz fruto, não gera vida, não traz esperança, não liberta as pessoas, não traz a verdadeira paz. Quando simplesmente agimos, movidos por nossos impulsos, nossas vontades, nossos desejos corremos o risco de oprimir, ferir, escravizar, discriminar a nós e os outros. Quando não contemplamos as coisas e as pessoas em Deus e Deus nas coisas e pessoas, formamos uma imagem distorcida da criação e do ser humano. Uma imagem que em nada lembra o criador e sua obra criada. Ação sem contemplação é como um pastel sem recheio, um caldo sem tempero, uma fruta sem sabor, uma rosa sem perfume. Maria, a contemplada é também contempladora da vida e do Deus de sua vida.

Mas que ninguém pense que contemplar significa sair, fugir do mundo, deixar de lado a tarefa cotidiana. A contemplação não é uma experiência geográfica de distanciamento, mas uma experiência interior de aprofundamento. Sem vida, sem história, sem chão, não se faz contemplação. Contemplar, portanto, é ver o mundo com os olhos da fé. Trata-se de olhar todas as coisas, de senti-las e de avaliá-las a partir de Deus e em vista de Deus. Somente a fé permite esse olhar. Jerônimo Nadal, jesuíta que viveu no século XVI, em seu diário espiritual, anotou algumas frases iluminadoras a respeito da contemplação:

– “Tudo ver e apreciar a partir de Deus e em toda ação deixar-se conduzir pela luz da fé”.

– “Deus está em toda criatura, como a alma no corpo… com poder, presença e essência”.

– “Com um coração puro, contempla a Deus nos traços e no espelho das criaturas. Assim, sentirás o poder de Deus, sua presença, sua essência e mesmo sua ação.”

Nesta noite, meus irmãos, minhas irmãs, somos convidados, com um coração puro, a contemplar Maria e, nela, o feminino de Deus. Feminino que está presente de modo singular nas mulheres, mulher-menina, mulher-jovem, mulher-senhora. Como mulher, Maria não está sozinha na história da salvação. “Junto a ela está toda a humanidade feminina. Maria prolonga toda a grandeza, profundidade, capacidade de escuta e acolhida, de entrega e doação que as mulheres, ao largo de toda a história, viveram sob a força do Espírito. Como toda estrela precisa de aura para brilhar, assim Maria precisa estar inserida na multidão das mulheres de toda a história para manifestar sua verdadeira grandeza” (Leonardo Boff). A figura de Maria deve ser contemplada como um grande mosaico. De longe, vemos uma única figura. Quando nos aproximamos descobrimos que aquela figura é feita de inúmeras pedrinhas preciosas que dão forma e conteúdo. A capa do programa da nossa festa nos ajuda a compreender o que estou dizendo. E mais do que a capa do programa, esta imagem aqui colocada em nossa igreja. A silhueta é de Maria, nossa mãe, mas o rosto, as mãos, o corpo são das nossas mulheres de Fátima, da nossa paróquia de Fátima!

“Em Maria, o feminino de Deus se revela a nós. Este feminino não concretiza uma exclusividade da mulher; constitui uma determinação essencial do ser humano. Cada ser humano é simultaneamente masculino e feminino; a mulher, porém, historifica mais densamente o feminino, por isso é mulher e não homem, embora conserve em seu ser também a dimensão masculina. O homem tematiza, em seu ser, o masculino, por isso é homem e não mulher; mas dentro de si guarda também a dimensão feminina” (Leonardo Boff). Prova disso são tantos homens que, sem deixar de ser varões, permitiram ser tocados pelo feminino. Lembremo-nos de Dom Helder Câmara, da sua candura, de sua sensibilidade para vida. De dom Luciano, seu olhar maternal, sua ternura compassiva, suas demonstrações de carinho e zelo, do padre Geraldo Paiva, com sua acolhida benfazeja a todas as pessoas que dele se aproximavam. Mas recordemos também no coração tantos pais de família que, de diversas formas, permitem aos seus filhos e filhas experimentar seu cuidado e seu amor.

Recordemos tantos filhos e irmãos que, superando uma postura de superioridade e machismo, sabem demonstrar carinho e proteção às suas mães e irmãs. Estas posturas são motivadas pelo feminino que há em nós, pois todas as vezes que falamos em ternura, gentileza, vitalidade, profundidade, interioridade, sentimento, receptividade, doação, cuidado e aconchego estamos falando da dimensão do feminino.

“Maria concretizou já dentro da história a escatologia da história feminina; cada mulher, em sua medida própria, e em participação com Maria, encontrará a plena realização no Reino de Deus mediante uma inserção única no mistério da terceira pessoa do Santíssima Trindade” (Leonardo Boff).

Como seria bom meus irmãos e irmãs que todos nós, mulheres e homens, ao contemplarmos Maria, pudéssemos abrir o coração e dizer: Faça-se em mim a vossa vontade Senhor. Estou aberto, aberta ao Espírito Santo. Vem Espírito Santo, faça de mim a vossa morada, retira do meu coração a maldade, os preconceitos, a dureza, a violência, a intolerância. Assim como fecundou o ventre de Maria, fecunde o meu ser, para que minhas ações, minhas obras, meus frutos sejam benditos, assim como é bendito o fruto do ventre de Maria, Jesus Cristo. Maria, ensina-me a contemplar o feminino de Deus do qual você é portadora singular para que ao encontrar com a humanidade ferida, machucada e oprimida tenha força e coragem para derrubar os poderosos de seus tronos, dispersar os orgulhosos, despedir os ricos de mãos vazias e cantar seu canto de esperança e libertação “O senhor fez em mim maravilhas, Santo é o seu nome”!

Amém.

* As citações dentro do texto se referem ao livro de Leonardo Boff “A Ave-Maria. O feminino e o Espírito Santo”.

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