Há cerca de vinte anos, trabalhava na Paróquia São Pedro, em Ponte Nova, quando me deparei com a história de um casal que, de acordo com as normas da Igreja, não poderia receber a Comunhão. Ao conhecer melhor a situação, achei que seria um absurdo negar a eles a Eucaristia. Não concordava. Consultei algumas pessoas do conselho paroquial, porque é sempre bom ouvir a Igreja, e disse a eles que, por mim, poderiam tranquilamente comungar. E fiz isso com toda serenidade.
Pouco depois aconteceu o mesmo com outro casal. E as pessoas que consultei, não da hierarquia, concordaram que eles também tinham o direito de comungar. A partir daí, por onde passei, tentei ouvir as pessoas que me procuravam, quase sempre angustiadas, e procurava oferecer mais palavras de conforto e de esperança.
Afirmava pra pessoa que a vida dela era muito mais que o fato de ser recasada ou não ter recebido o sacramento do matrimônio. E mostrava que o que faz alguém estar em comunhão com Deus e com os irmãos não é tanto a Hóstia, mas a vida que a pessoa leva. Tanto nas conversas particulares como nas reflexões e homilias, repeti muitas vezes que a comunhão não poderia ser vista como um prêmio pra quem é santo, mas como remédio e alimento pra quem precisa de força. Que Deus não ama só quem merece, porque, na lógica dele, quanto menos merece, mais precisa do amor.
Embora sempre tenha feito isso com a consciência tranquila, sabia que estava um tanto na contramão do ensinamento oficial da Igreja católica.
Qual não foi a minha surpresa ao ler, há poucos dias, justamente isto: (…) “Mas há outras portas que também não se devem fechar: todos podem participar de alguma forma na vida eclesial, todos podem fazer parte da comunidade, e nem sequer as portas dos sacramentos se deveriam fechar por uma razão qualquer. Isto vale sobretudo quando se trata daquele sacramento que é a “porta”: o Batismo. A Eucaristia, embora constitua a plenitude da vida sacramental, não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos. Estas convicções têm também consequências pastorais, que somos chamados a considerar com prudência e audácia. Muitas vezes agimos como controladores da graça e não como facilitadores. Mas a Igreja não é uma alfândega; é a casa paterna, onde há lugar para todos com a sua vida penosa”. Ah, como eu sonhava ouvir isso!!!
Só que a surpresa não está no fato de encontrar essas palavras. Muita gente pensa assim. O bom de tudo, e que me deixou imensamente feliz e orgulhoso da Igreja, é que essas palavras foram ditas pelo nosso querido papa Francisco, não de improviso, no calor de alguma emoção, mas num documento oficial, em sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudim, no número 47.
Sempre pensei assim: se Jesus deu a comunhão para Judas, que o estava traindo, para Pedro, que o negaria vergonhosamente, para todos aqueles medrosos que o abandonaram; se acolheu uma mulher que já estava no sexto ‘casamento’ e a aceitou como missionária; se o Papa, ao ser interrogado sobre a questão da homossexualidade, afirmou claro: “quem sou eu para julgar?!”; se tenho consciência do quanto sou frágil e pecador, como posso ter a ousadia de julgar as pessoas e negar a elas o presente que o próprio Deus lhes oferece?!
Pena que, como diz ainda o Papa no número 6 da Exortação, “há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa”. Somos chamados a ser portadores da misericórdia de Deus, semeadores de esperança, promotores da vida e da alegria. Se as pessoas nos procuram com as suas feridas é porque esperam encontrar em nós um bálsamo, um conforto, um auxílio para a cura, e não palavras e atitudes que vão abrir mais a chaga. Se trazem a nós o seu pecado, é porque acreditam que encontrarão o perdão e a paz. Naturalmente, não se trata de banalizar o mal e o pecado, mas mostrar que cada um(a) deve assumir a responsabilidade por suas escolhas, sem deixar de espalhar a graça e a salvação. O papa Francisco, com a sua Exortação, tão humana e tão cristã, consegue mostrar que realmente o Evangelho é caminho para a Alegria. Louvado seja Deus!!!