“Eis que vou, eu mesmo, seduzi-la, conduzi-la ao deserto, e falar-lhe ao coração” (Os 2,16). Na Bíblia, inúmeras vezes a relação entre Deus e o seu povo é comparada a um casamento.
Há o tempo da aproximação, do conhecimento, do enamoramento, do diálogo, da Aliança, da intimidade, da gestação… Deus se apresenta como o esposo. “Passando junto de ti eu te vi, e percebi que tinhas chegado ao tempo do amor. Estendi o manto para te cobrir; comprometi-me contigo por juramento e fiz aliança contigo” (Ez 16,8).
Jesus se compara ao noivo. “Por acaso, os amigos do noivo podem ficar tristes enquanto o noivo está com eles?” (Mt 9,15).
Esse encontro se dá muitas vezes no deserto. É aí que Deus se revela, se dá a conhecer, se aproxima, acompanha, alimenta, sacia a sede, constrói o futuro. “Foi num deserto que o Senhor achou seu povo, num lugar de solidão desoladora; cercou-o de cuidados e carinhos, e o guardou como a pupila de seus olhos” (Dt 32,10).
O tempo da Quaresma, que estamos vivendo, nos apresenta essas duas bonitas realidades. A Aliança e o deserto. A palavra forte é conversão, que significa “voltar-se para”. Deus está sempre olhando para nós com olhos de ternura, de compaixão, de amor. Ele quer nos conquistar. Converter-se é voltar para ele os olhos, os pensamentos, os sentimentos, as atitudes. É caminhar na direção do amor, da justiça, da fraternidade, do respeito, da vida. É buscar a sintonia com sua vontade, a harmonia com tudo o que Ele cria e ensina.
Converter-se é procurar ser fiel nessa Aliança, nesse casamento amoroso com Deus, com os irmãos, com a natureza. É viver esse enamoramento que nos faz sentir alegria e prazer em estar junto, unido, em sintonia. É andar de mãos dadas com Jesus Cristo e seu projeto de vida para todos. É dizer como Jeremias: “Tu me seduziste, Senhor, e eu me deixei seduzir” (Jr 20,7).
O deserto é o outro aspecto da Quaresma. A liturgia deste tempo faz inúmeras alusões a ele. Lembra as tentações de Jesus no deserto por quarenta dias, a caminhada do povo durante quarenta anos, a experiência dos profetas. É que o deserto é profundamente simbólico.
Frei Prudente Nery faz uma bela reflexão sobre isso, dizendo que Deus permitiu que seu povo experimentasse a sede, para que pudesse perceber a preciosidade da água; que sentisse fome, para aprender o valor do pão e da partilha; que sofresse a solidão, para que compreendesse a importância e o valor dos irmãos. No deserto se viram perdidos, para reconhecer que precisavam de Deus; sentiram saudade do passado, para que aprendessem a valorizar a esperança; foram feridos pelo pecado, para que descobrissem a beleza do perdão.
De fato, o deserto nos ensina tudo isso. Só aprendemos a dar valor quando perdemos algo ou não podemos ter. Somente passando necessidade, valorizamos a alegria de possuir. É na aridez do deserto que se descobre a necessidade de cavar fundo para buscar a água que dá vida. É na sua escuridão que se aprende a valorizar o brilho das estrelas. É na sua solidão e silêncio que se descobre a necessidade de prosseguir, sem se deixar dominar pelo desânimo e pelo cansaço. É esta a palavra que o profeta Elias ouve de Deus no deserto: “Levanta-te e come, porque tens um longo caminho a percorrer” (1Re 19,4-8).
Cada ano, durante a quaresma, a Igreja nos convida a fazer a rica experiência da Aliança e do deserto. Somos convidados a entrar na intimidade do Senhor da vida e nos entusiasmar pela proposta do Evangelho. Desafiados a experimentar o deserto, nos privando de algum alimento ou de algo que nos agrada, como forma de solidariedade, proporcionando o mínimo necessário aos que nada têm.
Chamados a fazer a experiência da sede, para reconhecermos a água verdadeira que nos sacia, que dá sentido à nossa existência, compreendendo que também nós podemos ser água pra muita gente sedenta de atenção, de carinho, de justiça, de respeito. Olhando para as pedras do deserto, somos desafiados a superar a dureza do nosso coração. “Tirarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um novo coração de carne” (Ez 36,26).
Deus nos convida ao deserto e quer falar ao nosso coração. É esse o espaço privilegiado do encontro com o Senhor da vida e com a vida dos irmãos. Tempo da gestação do novo. Caminho e garantia da Páscoa da libertação.